Visualizando posts de maio de 2013
Texto: Michele Rolim
Cercada de expectativas, a Cia Hiato desembarca em solo gaúcho. Diversas vezes premiado, o grupo paulistano foi o destaque da reta final do Festival de Teatro de Curitiba deste ano com a peça Ficção, composta de cinco monólogos. Dentro da programação do Palco Giratório, a Cia Hiato apresenta em Porto Alegre o seu primeiro trabalho – criado em 2008 – , que projetou o nome de Leonardo Moreira como um dos novos autores de destaque na cena paulista. Cachorro morto tem sessões hoje e amanhã, às 20h, no Teatro Museu do Trabalho (Andradas, 230).
A peça aborda o pensamento de um jovem portador da síndrome de Asperger (uma forma leve do autismo), intrigado com o assassinato do cachorro da vizinha. Com o revezamento de cinco atores na pele do protagonista – Luciana Paes, Maria Amélia Farah, Aline Filócomo, Fabrício Licursi e Thiago Amaral -, a plateia se vê diante de um jogo que desafia o espectador a construir a imagem do personagem.
Livremente inspirado nos textos The curious incident of the dog in the night-time, de Mark Had-don, Nascido num dia azul, de Daniell Tammet, e A música dos números primos, de Marcus du Sautoy, a montagem também parte de uma história pessoal do diretor Leonardo Moreira. Na infância, Moreira era, conforme ele, “bem estranho”. “Fiz um teste agora e percebi que, se a minha mãe tivesse feito um exame na minha infância, talvez eu fosse considerado um Asperger”, conta ele. Juntamente com o elenco, Moreira conversou com jovens e crianças atendidos pela Associação de Amigos do Autista (Ama) como preparação para o espetáculo. O cenário, por exemplo, é coberto de post-its – autistas utilizam sistema parecido nas paredes para organizar sua rotina.
Para o autor, a montagem tornou-se o embrião de tudo que o grupo realizaria nos espetáculos seguintes. “Cachorro é uma experiência que mistura o lado pessoal e literatura. Em Escuro, comecei a usar a experiência dos atores por trás de uma ficção, enquanto em Jardim utilizamos a biografia dos atores falada por outros integrantes do elenco. E em Ficção tentamos colocar em cena um grau mínimo de ficção para criar outra ficção”, explica o diretor, referindo-se aos espetáculos seguintes do grupo.
Todas essas montagens citadas pelo diretor trazem personagens com nomes dos próprios atores. Segundo Moreira, esta é uma forma de compartilhar com o público que, apesar de existir uma mediação da ficção no palco, há um momento presente – a realidade, que pode ser interrompida a qualquer instante. “O ator estar em cena e ser chamado pelo nome mostra que não estamos tentando ‘enganar’ o público dizendo que somos outra pessoa. Na verdade, o ator é o mediador desta ficção, e isso o coloca como criador e responsável pelo o que diz”, ressalta Moreira.
Seguindo a lógica do diretor, há um envolvimento do público com a trajetória da personagem e com o drama familiar, além da estrutura do espetáculo, da multiplicação dos personagens pelos cinco atores e do humor dos diálogos. “O interessante é que não fizemos uma cópia do comportamento dos autistas, isso seria apontar a diferença. Perguntamo-nos: qual o comportamento autista de cada um e como lidamos com isso?”, explica Moreira.
A temática das diferenças presente nas montagens do grupo está até mesmo no nome da companhia: Hiato. Para o diretor, a função de uma narrativa deve servir para mostrar que existe mais de um ponto de vista na mesma história. “Temos sempre tendência de achar que o meu ponto de vista é a realidade, e eu não consigo entender que a outra pessoa é tão real e complexa quanto eu sou”, diz Moreira, explicando que existe um hiato do que é falado agora e do que está sendo ouvido. “Há sempre uma lacuna entre essas realidades e fazer elas conviverem é o objetivo principal”, completa.
Cachorro morto da Cia Hiato
• Hoje e amanhã, às 20h, no Teatro Museu do Trabalho (Andradas, 230).
• Ingressos entre R$ 5,00 e R$ 20,00, à venda no Teatro do Sesc (Alberto Bins, 665).
por Thiago Amaral em 16/05/2013 – 2:27h