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Texto: Michele Rolim
Cercada de expectativas, a Cia Hiato desembarca em solo gaúcho. Diversas vezes premiado, o grupo paulistano foi o destaque da reta final do Festival de Teatro de Curitiba deste ano com a peça Ficção, composta de cinco monólogos. Dentro da programação do Palco Giratório, a Cia Hiato apresenta em Porto Alegre o seu primeiro trabalho – criado em 2008 – , que projetou o nome de Leonardo Moreira como um dos novos autores de destaque na cena paulista. Cachorro morto tem sessões hoje e amanhã, às 20h, no Teatro Museu do Trabalho (Andradas, 230).
A peça aborda o pensamento de um jovem portador da síndrome de Asperger (uma forma leve do autismo), intrigado com o assassinato do cachorro da vizinha. Com o revezamento de cinco atores na pele do protagonista – Luciana Paes, Maria Amélia Farah, Aline Filócomo, Fabrício Licursi e Thiago Amaral -, a plateia se vê diante de um jogo que desafia o espectador a construir a imagem do personagem.
Livremente inspirado nos textos The curious incident of the dog in the night-time, de Mark Had-don, Nascido num dia azul, de Daniell Tammet, e A música dos números primos, de Marcus du Sautoy, a montagem também parte de uma história pessoal do diretor Leonardo Moreira. Na infância, Moreira era, conforme ele, “bem estranho”. “Fiz um teste agora e percebi que, se a minha mãe tivesse feito um exame na minha infância, talvez eu fosse considerado um Asperger”, conta ele. Juntamente com o elenco, Moreira conversou com jovens e crianças atendidos pela Associação de Amigos do Autista (Ama) como preparação para o espetáculo. O cenário, por exemplo, é coberto de post-its – autistas utilizam sistema parecido nas paredes para organizar sua rotina.
Para o autor, a montagem tornou-se o embrião de tudo que o grupo realizaria nos espetáculos seguintes. “Cachorro é uma experiência que mistura o lado pessoal e literatura. Em Escuro, comecei a usar a experiência dos atores por trás de uma ficção, enquanto em Jardim utilizamos a biografia dos atores falada por outros integrantes do elenco. E em Ficção tentamos colocar em cena um grau mínimo de ficção para criar outra ficção”, explica o diretor, referindo-se aos espetáculos seguintes do grupo.
Todas essas montagens citadas pelo diretor trazem personagens com nomes dos próprios atores. Segundo Moreira, esta é uma forma de compartilhar com o público que, apesar de existir uma mediação da ficção no palco, há um momento presente – a realidade, que pode ser interrompida a qualquer instante. “O ator estar em cena e ser chamado pelo nome mostra que não estamos tentando ‘enganar’ o público dizendo que somos outra pessoa. Na verdade, o ator é o mediador desta ficção, e isso o coloca como criador e responsável pelo o que diz”, ressalta Moreira.
Seguindo a lógica do diretor, há um envolvimento do público com a trajetória da personagem e com o drama familiar, além da estrutura do espetáculo, da multiplicação dos personagens pelos cinco atores e do humor dos diálogos. “O interessante é que não fizemos uma cópia do comportamento dos autistas, isso seria apontar a diferença. Perguntamo-nos: qual o comportamento autista de cada um e como lidamos com isso?”, explica Moreira.
A temática das diferenças presente nas montagens do grupo está até mesmo no nome da companhia: Hiato. Para o diretor, a função de uma narrativa deve servir para mostrar que existe mais de um ponto de vista na mesma história. “Temos sempre tendência de achar que o meu ponto de vista é a realidade, e eu não consigo entender que a outra pessoa é tão real e complexa quanto eu sou”, diz Moreira, explicando que existe um hiato do que é falado agora e do que está sendo ouvido. “Há sempre uma lacuna entre essas realidades e fazer elas conviverem é o objetivo principal”, completa.
Cachorro morto da Cia Hiato
• Hoje e amanhã, às 20h, no Teatro Museu do Trabalho (Andradas, 230).
• Ingressos entre R$ 5,00 e R$ 20,00, à venda no Teatro do Sesc (Alberto Bins, 665).
por Thiago Amaral em 16/05/2013 – 2:27h
Cia. Hiato emociona ao questionar o limite entre ficção e realidade
Solo de Maria Amélia Farah
Crédito: Ernesto Vasconcelos / Divulgação
Quem foi ao Teatro Paiol no último final de semana teve um presente, ao assistir a última produção da Cia. Hiato, de São Paulo, em estreia nacional no Festival de Teatro de Curitiba 2013, no encerramento do evento. Com direção de Leonardo Moreira, “Ficção” parte de relatos biográficos de cada um dos cinco atores, invertendo a lógica do profissional que abre mão de si para ser visto como ‘hospedeiro’ de seus personagens. Cada um dos cinco intérpretes aborda momentos de conflito com seus familiares e questiona o processo criativo, em performances extremamente delicadas e arrebatadoras, com momentos hilários e forte carga dramática, sem cair na pieguice.
O grupo apresentará a peça, com alternância de atores, paralelamente no Rio de Janeiro (Caixa Cultural) de 11 de abril a 5 de maio, e em São Paulo (Teatro ECUM), de 12 de abril a 12 de maio. Em maio chegará a Porto Alegre, com “Cachorro Morto”, em que falará sobre os autistas portadores da Síndrome de Asperger, dentro da programação do Palco Giratório Sesc.
Os espetáculos criados pelo grupo nascem de questionamentos muito pessoais, especialmente sobre o que é ser normal ou especial. Isto se evidencia no primeiro trabalho, “Cachorro Morto”; em “Escuro”, que tematiza a cegueira, desorganização da fala e perda auditiva; e “Jardim”, sobre o Mal de Alzheimer.
Neste caso, o diretor incitou os atores a causarem desconforto na plateia, expondo suas feridas, em relatos que trazem a interseção das dramaturgias de conteúdo e corporais. “O desafio é encontrar fissura onde por um segundo o espectador não enxergasse o personagem, e sim o ator”, diz Fernanda Stefanski, que tematiza o suicídio de seu tio e reflete acerca dos limites éticos de expor um drama familiar.
A atriz que sempre quis interpretar Shakespare e que deu tons hitchockianos a sua performance, utiliza fotos e reconstituições, citando passagens dolorosas de sua vida, como a agressão sofrida por parte de um ex-namorado e a morte da melhor amiga. Com forte veia cômica, Luciana Paes diz que “brinca como fazer artístico, de encarnar um ser a serviço de histórias”, ao por em xeque a autoria em um processo colaborativo. A atriz coloca em cena seu projeto relacionado à pintora Frida Kahlo, que não chegou a ser concluído e contextualiza sua realidade, ao falar do pai ausente e depressivo, com quem não mantém uma boa relação.
Aline Filácomo foca suas várias personas, reais ou não, na sua irmã mais nova, também atriz, com quem tinha um relacionamento controverso. A homenagem que intencionava fazer, acabou virando um insulto, pela percepção da outra. Maria Amélia Farah coloca no palco o próprio filho, bebe, falando que “vive vidas tão reais quanto as que inventou”, ao tentar agradar a mãe e seguir a tradição árabe, de seus antepassados. E posteriormente, ao tentar criar uma identidade própria, experimentou a cobrança, o fracasso e a decepção.
Já Thiago Amaral se veste de coelho para a ficção “A extinção dos coelhos selvagens”, criada por seu pai – não ator – com quem contracena. Isto para se reportar à ruptura, que os afastou por seis anos. Como ele não correspondia às expectativas paternas, resolveu trazê-lo ao seu projeto de vida, num pretexto para retomar os laços. Sua interpretação, ao lado de Luciana, causou grande comoção, sendo aplaudida longamente, no domingo, quando as pessoas se despediam do festival, que segue de 10 a 28 deste mês com as atrações infantis do Guritiba.
por Thiago Amaral em 09/04/2013 – 21:35h
por Thiago Amaral em 07/04/2013 – 21:46h
Peça da Cia. Hiato abre inúmeras possibilidades de conexão com espectador ao misturar imaginação e realidade.
Foi arrebatadora a estreia de “Ficção” no Festival de Teatro de Curitiba, na noite deste sábado (6). Neste domingo (7), às 17 horas, haverá reprise no Teatro do Paiol.
Misturadas à sensação de surpresa por parte de muitos que não se prepararam para as mais de cinco horas de peça havia as lágrimas, fruto da catarse pessoal (dos atores) e transferível (para o público).
O projeto da paulistana Cia. Hiato exigia que cada integrante do elenco criasse um monólogo partindo de questões pessoais e, como é o mote do grupo, borrando as fronteiras entre realidade e ficção.
E assim, na ordem apresentada neste sábado, ouviu-se sobre a pressão de uma mãe muçulmana para que a filha dançasse; a identificação com Frida Kahlo e a dificuldade de amar; a insegurança como atriz e a relação com a irmã; um crime em família e a relação com o pai.Em todos, o início simulou uma conversa, embrenhando depois para a contação de história. Impossível, para o público, não questionar o tempo todo: isso será verdade?
O processamento da catarse seria impossível de descrever aqui e acontece de forma diferente, em momentos diferentes, para cada espectador.O que é possível garantir é que cada ator e atriz dá o sangue no palco de forma tocante, e que o projeto “Ficção” provavelmente está atingindo e superando suas intenções a cada apresentação.
Ao longo das falas, citações das peças anteriores da companha, como “Cachorro Morto” e “O Jardim” – destacada como a melhor da Mostra 2012 do festival.
por Thiago Amaral em 07/04/2013 – 14:36h
por Thiago Amaral em 05/04/2013 – 23:24h