"O jardim" é o terceiro espetáculo criado pela Companhia Hiato. Em cena, histórias de tempos e espaços diferentes se sobrepõem, criam fricções entre si , se completam ou se contradizem. Essas diferentes perspectivas criam um jogo fractal de reconhecimento e estranhamento das situações apresentadas e reapresentadas de forma vertiginosa. Propõe-se um jogo com a própria memória do público que, ao rever uma cena já vista – mas desta vez cheia de lacunas – é levado a recriar em sua memória os diálogos, é conduzido a reinventar a cena sob seu olhar e lembrança intransferíveis.
Outros elementos fazem da memória também uma escolha estética para o trabalho, como a a visão parcial do público. Buscando equivalência a uma memória, as três histórias são contadas sobre diferentes perspectivas, por vezes contraditórias. Não se trata de mostrar vários pontos de vista de uma mesma situação mas sim de ressaltar a subjetividade implícita em cada encontro, a relatividade do que constitui a nossa história.
Em "O jardim", o público é distribuído em três espaços diferentes e sua visão é mediada por essa distribuição, já que o cenário de caixas é construído e reconstruído em cena, de modo a criar mundos imaginários, a transformar momentos já vistos em lacunas e a fragmentar a fruição da fábula. Tudo isso para expressar, também em sua estética e não só na dramaturgia, o ato criativo que é rememorar.
Direção e dramaturgia:
Leonardo Moreira
Elenco:
Aline Filócomo
Fernanda Stefanski
Luciana Paes
Mariah Amélia Farah
Paula Picarelli
Thiago Amaral
Ator convidado:
Edison Simão
Assistência de direção/ atriz alternante:
Amanda Lyra
Cenário e desenho de luz:
Marisa Bentivegna
Assistência de cenografia:
Ayelén Gastaldi
Trilha sonora:
Marcelo Pellegrini - Surdina Produções Musicais
Figurinos:
Theodoro Cochrane
Objetos cênicos:
Victor Merseguel
Efeitos especiais:
Pepe Scrofft
Fotos e vídeos:
Otávio Dantas
Criação gráfica:
Cassiano Tosta / dgraus
Produtor executivo:
João Victor d'Alves
Gestão/produção:
Aura Cunha
Prêmio Governador do Estado de São Paulo:
Prêmio Melhor Espetáculo de 2011
Prêmio APCA 2011:
Prêmio melhor direção
Indicação a melhor espetáculo
Indicação a melhor autor
Prêmio Shell 2011:
Prêmio melhor autor
Prêmio melhor cenário
Indicação a melhor direção
Prêmio Questão de Crítica 2011:
Prêmio melhor figurino
Indicação a melhor dramaturgia
Indicação a melhor direção
Indicação a melhor atriz
Indicação a melhor cenário
Indicação a melhor espetáculo
Indicação a melhor elenco
Prêmio CPT – Cooperativa Paulista de Teatro 2011:
Prêmio melhor autor
Prêmio melhor espetáculo
Indicação a melhor direção
Indicação a melhor elenco
Indicação a Melhor projeto visual
Guia da Folha 2011:
Prêmio melhor espetáculo
"… arrisco dizer que dá esperança para todo o teatro. Não é a primeira nem sequer a melhor criação de Leonardo Moreira, mas em meio à apresentação num distante galpão de Curitiba a imagem que veio à cabeça foi de que alguém como eu, meio século atrás, em alguma plateia carioca de "A Falecida", pensou a mesma coisa: sim, existe autor de teatro no Brasil. Não o conheço, creio que jamais o vi, mas depois de três montagens _ou talvez já na primeira que presenciei_ é inquestionável o seu talento para a dramaturgia. (..) Mais que tudo, o que impressiona é a forma como "O Jardim" consegue transformar uma experiência que poucos tiveram, a convivência próxima com o mal de Alzheimer, em algo universal _como se na verdade estivesse na doença, na diferença, a essência de cada um na plateia. Não me identifiquei com nenhuma situação ou personagem específica, mas no final me senti mais representado na peça do que se participasse eu própria da cena. Daí a fantasia de estar diante de Nelson Rodrigues, de um poeta dramático como ele. Mais um, no Brasil, coisa tão rara".
Nelson de Sá – Cacilda Blog – Folha de São Paulo
"A arte da memória. "O Jardim", criação da Cia Hiato, é um espetáculo que persegue as potências que o recordar mobiliza na imaginação. Alcança a alquimia de atualizar na cena, como presente significativo, lembranças banais compartilhadas. O grupo revela, em seu terceiro trabalho, um rápido amadurecimento e confirma as expectativas elevadas que sobre ele recaíram. Leonardo Moreira, mais uma vez, condensa em dramaturgia os materiais biográficos oferecidos pelos atores em um longo processo de criação e dirige com mão firme uma cena contundente. Cinco atrizes e um ator, que narram tanto suas próprias vidas como a ficção que construíram com o encenador, contribuem decisivamente na qualidade da cena. A cenografia e a iluminação também são cruciais. Marisa Bentivegna locupleta o espaço com caixas de todos os tamanhos, constituindo um fundo e demarcando os três nichos da representação. Mais do que símbolos, as caixas surgem como objetos concretos, de onde saltam disparadores da memória. Se o mito da caixa de Pandora aponta os perigos de se vasculhar os segredos da alma humana, "O Jardim" não teme o reconhecimento pela recordação. Esquecer protege, mas lembrar, ainda mais quando o recordado revitaliza o presente e gera grande arte, liberta".
Luiz Fernando Ramos – Folha de São Paulo
"Muito antes das personagens de O jardim citarem O jardim das cerejeiras é possível perceber a conexão direta entre o texto do diretor Leonardo Moreira e a peça de Anton Tchekhov. Assim como os personagens do autor russo, os da montagem da Cia. Hiato, de São Paulo, evidenciam descompassos na comunicação, como se não se enxergassem, não reagissem à escuta, à presença do outro. Dão a impressão de pertencerem a épocas ou a mundos diferentes. O tempo desponta como protagonista em O jardim. (…) O jardim é, num certo sentido, uma peça sobre a morte: de um tempo, um lugar, uma atmosfera, de relações. Os instantes de felicidade permanecem vivos "apenas" em cada um dos personagens, desestabilizados pelo descompasso entre passado e presente, ainda que essa comparação esteja impregnada de subjetividade. (…) Trabalhando a partir de universo temático bastante pessoal, Leonardo Moreira, não por acaso, faz com que os atores usem seus próprios nomes em cena, consciente, contudo, de que a memória, elemento central em O jardim, implica em acréscimos e subtrações em relação a cada fato evocado".
Daniel Schenker – Questão de Crítica
"Um pulôver do pai, o rosário da mãe, um espelho que refletiu outras faces, mais jovens. São objetos familiares, como familiares são as falas, os gestos, o discurso das personagens. Nisto reside uma das proezas de "O Jardim": o fato de narrar histórias tão prosaicas e simples dentro de uma estrutura cênica extremamente complexa. Ponto para a direção de Leonardo Moreira, que se mostra um genial maestro não só da cena, mas também dos atores. Cada integrante do elenco dá para as personagens os seus próprios nomes. São atores-criadores. Ao longo do processo, eles vasculharam as suas memórias e levaram para o palco depoimentos e objetos pessoais, que se associam ao material de pesquisa coletado em entrevistas junto a lares de idosos e grupos de terceira idade. O que surge dessa fusão é um interessante jogo entre ficção e realidade. A transmutação da vida em arte realiza-se do modo como deve ser: universalizando os temas. (…) O lirismo é a tônica de um texto que conjuga a estrutura dramática convencional com reflexões lançadas à plateia. Surge, entretanto, uma poesia maior, da própria cena, quando as vozes sobrepõem-se e os corpos lembram partituras já realizadas anteriormente. A montagem brinca com a memória do espectador, já que a trama é apresentada em fragmentos. A forma, pois, espelha o conteúdo".
Renato Forin Jr. – FILO